Agora há pouco, enquanto estudava Espanhol sentado no sofá do meu kitnette, fui surpreendido por vozes exaltadas na rua, acompanhadas por ruídos de coisas sendo arrastadas. Como sei que o meu gato, Lennon, é muito enxerido, e que os meus vizinhos não são muito simpáticos aos gatos, resolvi sair para chamá-lo, supondo que pudesse se tratar de algum princípio de briga envolvendo várias pessoas.
Fechei o livro e saí.
Na rua, na esquina próxima à minha casa, quatro vizinhas praguejavam contra o lixo acumulado pela vizinhança e o espalhavam pela rua, bloqueando a passagem. Fiquei irado, pois há muito eu venho sugerindo aos vizinhos que façamos alguma ação organizada envolvendo inclusive, além da exigência de um container, um jardim onde costumam depositar lixo. Para mim aquele espetáculo seria estéril. Não que eu não goste de um agito reivindicatório, mas no meu acesso sectário, a coisa estava sendo mal conduzida.
Lennon estava observando o show. Eu o chamei. Ele veio. Nós entramos.
Sentei no sofá, e algo me incomodou os glúteos. Eu tinha sentado sobre o Dharmapada. A visão do Buddha sereno na capa cortou-me como uma espada. Senti-me ridículo, e ri, diante de minha ira patética. Então fiz esse poema:
sei que ego é nada
estou tão irritado!
a lava flui
Assim como a lava, rocha tão aparentada com o fogo, flui por rios subterrâneos, eu, budista, ciente da inutilidade de pegar carona nos loucos cavalos da ira, não raro enfezo-me todo e praguejo aos borbotões, contraditório, como a Natureza.
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